“Negam que aqui tem preto, negão
Negam que aqui tem preconceito de cor
Negam a negritude, essa negação”
Chico Cesar
Nós, Movimentos Organizados em torno da pauta da afirmação do Direito à Cidade, temos acompanhado, desde agosto de 2014, o processo de elaboração do Plano Salvador 500, de revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – PDDU e da Lei de Ordenamento de Uso e Ocupação do Solo – LOUOS.
Inicialmente gostaríamos de afirmar que este modelo de planejamento urbano não nos representa, funciona na verdade como uma grande “cortina de fumaça” para desviar o foco do que vem, ao arrepio do planejamento, acontecendo na cidade, sob a tutela de duas falsas prerrogativas: a participação popular e a equidade nos parâmetros de investimento.
Ao longo do processo dito participativo, promovido pela Prefeitura, constatamos uma série de equívocos, entre eles: a segunda audiência pública foi mantida de forma unilateral, mesmo com a paralisação dos rodoviários que ocorreu das 4h às 9h da manhã daquele dia; as oficinas de bairro aconteceram em áreas muito abrangentes, sem divulgação adequada e baixo número de presentes; o Conselho Municipal da Cidade não compõe a coordenação geral do processo, que é formada apenas pelo poder público; a minuta do PDDU foi disponibilizada antes mesmo da conclusão dos debates no Conselho Municipal de Salvador. O debate ficou restrito a uma minoria, com audiências e consultas públicas sendo tratadas pelo poder público municipal como manobra para cumprir a legislação.
A FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, empresa contratada para elaborar um conjunto de produtos que serviriam de subsídio à elaboração do Plano Salvador 500, PDDU e LOUOS, apresentou estudos técnicos sem quase nenhuma referência à variável raça/cor. No primeiro relatório apresentado pela empresa, contendo 523 páginas, as referências acerca da realidade da população negra (esmagadora maioria da população de Salvador) resumem-se a três parágrafos.
Salvador é marcada por uma profunda segregação, com a população negra ocupando os espaços urbanos com maior carência de infra-estrutura urbana, equipamentos e serviços públicos. No momento de revisão do PDDU de Salvador para o horizonte de 35 anos, é preciso dar visibilidade às condições em que vive a população negra do município, e garantir a realização de políticas públicas que garantam a permanência em seus territórios e a efetivação dos direitos à saúde, segurança, saneamento básico, educação. É importante enfatizar que esta omissão fere o Estatuto da Igualdade Racial, lei nº 12.288 de 2010, instrumento conquistado pela luta histórica do povo negro, que garante a participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica e social do País, a ser promovida por meio das políticas públicas de desenvolvimento econômico e social.
Como resultado deste processo, temos uma minuta de Revisão do PDDU que indica para o que já é prática da Prefeitura: o privilégio de investimentos de interesses do mercado imobiliário, priorizando a agenda empresarial corporativa, dissociada das questões de interesse coletivo. Com conteúdo genérico, superficial, e sem operacionalizar prazos e soluções, o PDDU proposto não cumpre o que está previsto no Estatuto da Cidade e legitima, mais uma vez, intervenções gentrificadoras nos territórios de ocupação e resistência da população negra, favorecendo, como sempre favoreceu, à urbanização segregadora, higienizadora e a subordinação do poder público aos interesses privados.
Apesar do jogo de cena da participação, é evidente que a prefeitura já conduz a cidade de forma paralela, à revelia do PDDU vigente, com a edição de leis com conteúdos determinantes para Salvador, como a Lei 8.655/14, que desafetou e autorizou a alienação de 59 imóveis públicos; a Lei 8798/15 que, na prática, extinguiu o FUNDURBS, pois culminou no esvaziamento de suas receitas e alterou o cálculo da outorga onerosa. Recentemente, enviou ainda para votação o Programa de Incentivo ao Desenvolvimento e Inovação (PIDI), Projeto de Lei 268/15, que trata de atração de investimentos e empreendimentos para áreas da cidade como orla e Centro Histórico, utilizando imóveis subutilizados ou vazios, através de incentivos fiscais a empresas.
A minuta do PDDU traz, ainda, três mega poligonais da cidade com indicação de Operação Urbana Consorciada, uma grande poligonal no Centro Antigo (pensando na implantação do FII – Fundo de Investimento Imobiliário e no PIDI), na Suburbana (visando facilitar os despejos decorrentes da implantação do VLT e outras obras viárias) e sobre o Engenho Velho de Brotas, três territórios extremamente Negros. Caso isso ocorra, a prefeitura estará passando um cheque em branco para o Mercado Imobiliário lucrar sobre os nossos territórios.
Por essas e por todas as demais violências municipais direcionadas à Cidade e ao Povo Negro, convocamos os diversos setores do movimento negro, os movimentos vinculados as pautas da habitação, mobilidade, espaço público, população de rua, catadores de materiais recicláveis, sem teto, entre outros, a tomar as ruas por uma Salvador Negra e Pública.
NÃO ACEITAREMOS O APROFUNDAMENTO DE UM MODELO DE CIDADE SEGREGADOR E RACISTA!
SEGUIREMOS EM LUTA PELO DIREITO À CIDADE!
Articulação dos Movimentos e Comunidades do Centro Antigo de Salvador
Artífices da Ladeira da Conceição da Praia
Associação Amigos de Gegê dos Moradores da Gamboa de Baixo
Associação de Amigos e Moradores da Chácara Santo Antônio
Movimento Nosso Bairro é 2 de Julho
Movimento dos Sem Teto da Bahia
Coletivo Rio Vermelho em Ação
Coletivo Mobicidade
Fonte: Passa Palavra