São Paulo (Brasil): Ocupação São João pode ter realizado seu último sarau

O Sarau da Ocupa, realizado às quartas-feiras quinzenais na ocupação do prédio situado na avenida São João, 588, no centro de São Paulo, pode ter feito a sua última apresentação no local. Isso porque uma ordem de reintegração de posse do imóvel, abandonado há 20 anos, foi anunciada na quinta-feira (23) pelo juiz Olavo de Oliveira Neto, da 39º Vara Cível da Capital.

As 85 famílias, incluindo 67 crianças, podem ficar na rua na próxima terça-feira, 11 de setembro. No dia 3 de outubro a ocupação completaria dois anos, e o sarau um.

O sarau faz a mobilização. Organizadores e apoiadores do movimento colhem assinaturas que serão entregues à Justiça paulista solicitando que a liminar de despejo seja revogada e que “o direito à moradia digna possa prevalecer sobre o endividamento e o abandono do imóvel”.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Ruivo Lopes, um dos organizadores do sarau, espera que haja de fato um acordo entre a Justiça, o proprietário e a Frente de Luta por Moradia, que organiza as famílias que estão no imóvel. “A gente espera que o diálogo, que é necessário, seja para o benefício das famílias no seu direito fundamental que tem sido violado, que é o direito à moradia”, comenta.

Ele ainda ressalta que o sarau passou a ser uma espécie de assembleia, em que as famílias da ocupação juntamente com as pessoas que vêm participar da atividade, se encontram para que, através da literatura, possam discutir os mais variados problemas que a cidade enfrenta.

“É no sarau que a gente se fortalece, que a gente passa a perceber que os problemas de uns também são os problemas dos outros, e passa a se fortalecer através disso”, reforça Ruivo.

Brasil de Fato – Ruivo, esse foi realmente o último sarau?
Ruivo Lopes – A gente espera que não seja o último sarau. A gente não se preparou para o último sarau. Não viemos hoje para cá na expectativa de ser o último sarau, mas a gente veio pra fazer um sarau do jeito que a gente começou, dentro da luta, que pudesse fortalecer a luta e que no momento em que a gente está apreensivo pela decisão que a Justiça pode tomar em relação às famílias, que hoje estão aqui na ocupação São João. A gente procurou fazer um sarau que pudesse agregar, reunir, incluir e fortalecer essa rede de solidariedade que o povo, apesar do que tem acontecido nas ocupações, tem demonstrado muita solidariedade com as famílias que estão na ocupação. O nosso sarau serve como espaço da demonstração dessa solidariedade.

Dia 11 de setembro vai ter a reintegração mesmo, ou ainda há uma possibilidade de prorrogar a data do despejo?
A gente que é do sarau sempre fica esperando um diálogo. Um diálogo entre as partes interessadas, Justiça, proprietário e a Frente de luta por Moradia, para que chegem a um acordo favorável às famílias. Nenhum acordo que não seja favorável às famílias deve ser cumprido.  A gente espera que o diálogo, que é necessário, seja para o benefício das famílias no seu direito fundamental que tem sido violado, que é o direito à moradia. Então, a gente espera que até o dia 11 possa haver algum diálogo no sentido de atendimento das famílias que estão aqui na ocupação São João. A gente aqui no sarau está torcendo pra que isso aconteça. Caso não aconteça, mais uma vez a cidade de São Paulo vai ser testemunha da violação grave de direitos humanos das famílias que estão na ocupação que vão, sem outra alternativa, pra rua.

Quanto tempo já existe o sarau?
A ocupação vai fazer dois anos em outubro e o sarau começou no aniversário de um ano da ocupação. Ele começou num momento de comemoração, num momento em que todos que estavam reunidos aqui na ocupação São João, as famílias e as pessoas que apoiam, comemorando um ano de existência e resistência cravados aqui no centro nervoso de São Paulo. O sarau surgiu pra manter essa comunhão através daquilo que a gente sabe fazer, que é a literatura, falar de poesia, trazer autores pra dialogar sobre literatura e motivar moradores e crianças daqui da ocupação São João a se aproximarem dessa literatura que tem sido produzida nas periferias de São Paulo, que é a literatura marginal periférica.

Com o sarau dando esse apoio, quais mudanças ocorreram para as famílias da ocupação, neste um ano que vocês estão aqui?

Cerca de 70 crianças podem ficar na rua no dia 11 de setembro;   Elas também participam do sarau. Foto: Raquel Marques

Cerca de 70 crianças podem ficar na rua no dia 11 de setembro; Elas também participam do sarau. Foto: Raquel Marques

Primeiro que a gente passou a ter um espaço de encontro, diferente daquele em que as famílias já estão acostumadas a se encontrar. O sarau passou a ser também uma assembleia, só que uma assembleia ampliada, em que participam as famílias, as crianças, as pessoas que moram na cidade, as pessoas que participam de outros saraus, poetas, escritores e escritoras que se encontram no espaço do sarau para, através da literatura, discutir os graves problemas que enfrentam hoje a cidade. É no sarau que a gente se fortalece, que a gente passa a perceber que os problemas de uns também são os problemas dos outros e passa a se fortalecer através disso. Então, através de uma ação cultural, que a gente tem conseguido uma articulação e uma mobilização que é fundamental neste momento para os movimento populares, para os movimentos sociais e para quem também está percebendo que a cidade enfrenta graves problemas de desigualdade, mas não encontra uma porta aberta para se somar à luta, o sarau também é um espaço aberto pra quem quer chegar e se somar à luta. Várias pessoas hoje chegaram aqui e vão sair daqui levando um pouco da luta da ocupação São João. Essa também é a missão do Sarau. 
Se caso ocorrer o despejo, O Sarau da Ocupa será igual ao sarau do Binho, itinerante?
O sarau não vai parar. Neste momento, é muito importante a situação das famílias. Mas o sarau vai continuar circulando e mobilizando as lutas. Aonde tiver, o sarau vai chegar e vai se somar às lutas pra trazer mais gente, pra manter a porta da luta sempre aberta com uma linguagem pelas próprias preocupações dos movimentos, que acabam deixando a porta da cultura um pouco de lado. A gente soma nisso pra que pessoas novas possam chegar e através da cultura possam somar. O sarau é uma delas. Se a gente tiver que fazer sarau itinerante, a gente vai fazer, mas desde que ele esteja a serviço da luta popular. Esta é a missão do sarau.

José Francisco Neto
de São Paulo

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