Apesar da liminar de despejo, o contexto político favorece a formação de um novo assentamento na fazenda de um senador do Ceará.
Na madrugada do passado domingo, 31 de agosto, 3000 famílias do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) ocuparam a fazenda Santa Mônica, situada entre os municípios de Alexânia, Corumbá e Abadiânia. Trata-se dum dentre os 91 imóveis rurais que o candidato a governador do Ceará, Eunício Oliveira (PMDB), possui no estado de Goiás, 20.000 hectares de pouca produtividade, onde a maior atividade é a produção de gado.
3000 famílias organizadas
A tomada da terra foi pacífica, apesar de representantes da propriedade e 5 viaturas da polícia terem parado a fila de carros no meio da estrada e alguns carros do Movimento terem sido revistados. Às 5 horas da manhã mais de 700 veículos entravam na fazenda e as famílias se instalavam já no novo acampamento provisório do futuro assentamento, batizado de Dom Tomas Balduíno em honra ao grande lutador e ativista goiano.
Segunda-feira e terça-feira passaram com relativa tranquilidade, enquanto as famílias se organizavam e criavam as principais infra-estruturas. Viaturas da polícia militar passaram continuamente pela entrada ao acampamento e puderam ser observadas, juntamente com a presença da propriedade, em serras e outros lugares estratégicos para vigiar desde longe, tanto o gado da fazenda como a movimentação dos novos ocupantes da terra. Aproximadamente às 13 horas da terça-feira dois caças da força aérea sobrevoaram a zona. Os Sem Terra mantêm a alerta a toda hora e estão se organizando em núcleos e equipes de trabalho, sempre com participação direta e igualitária e um sistema horizontal de toma de decisões. “Nós só queremos um pedaço de terra pra trabalhar, muitas destas famílias estão há mais de 2 anos em acampamentos esperando esse momento”, informa uma das coordenadoras do movimento.
Liminar judicial de despejo irrelevante
Ainda que os meios de comunicação convencionais publicassem desde segunda-feira que já tinha sido decretada a expulsão e a reintegração de posse por parte da Justiça do município de Corumbá, até quarta-feira, dia 3 de setembro, às 11 horas da manha não chegou ao lugar em concreto e aos protagonistas do conflito uma liminar judicial com ordem de despejo com prazo de 48 horas. O representante da Justiça de Corumbá chegou ao acampamento acompanhado de 5 viaturas da Polícia Militar e 2 veículos das tropas de choque, presença que mereceu a agitação e mobilização de aproximadamente mil pessoas, que se aproximaram à entrada para mostrar seu desapreço por esses indivíduos.
Paralelamente, até terça-feira da semana que vem membros da coordenação do MST junto com o coronel que foi designado para dialogar com o Movimento estão negociando com vários atores políticos a resolução do conflito. Já contataram com o Ministério de Reforma Agraria, o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e até o Ministério da Presidência. A demanda principal do MST é a realização da expropriação do latifúndio do senhor Oliveira para criação do novo Assentamento Dom Tomas Balduíno, recepção de cestas básicas e fornecimento de sementes para começar a plantar.
Polícia toma comida dos Sem Terra
Já desde segunda feira a Polícia Militar está revistando alguns carros na estrada de caminho ao acampamento, confiscando ferramentas, equipamentos, como lonas para se proteger da chuva, e até comida. Nesta quarta-feira a Justiça anunciou que bloqueava a estrada, não permitindo entrar ninguém. Depois dalgumas ligações, à tarde já entraram veículos, mas continuam sendo efetuadas revistas aleatórias. De modo que um poder público do Estado, as forças da ordem, está privando de alimentação mais de 3000 famílias do povo, enquanto viaturas desse mesmo corpo cercam a sede da fazenda, propriedade privada de um grande empresário. “Protege o rico e mata nós de fome!” Se lamenta um pai de família Sem Terra.
Contexto politico favorável
A situação pré-eleitoral em que essa ocupação tem lugar é favorável ao MST. Tanto no Ceará como em Goiás, os candidatos a governador Eunício Oliveira e Marconi Perilo não podem se permitir, a um mês das eleições, uma operação repressiva com repercussão mediática nacional. Além desses dois casos, o mesmo Governo Federal não tem muito interesse em criar descontentamento no principal e maior movimento de camponeses, seguido por uma grande parte dos setores populares do Brasil. A permanência da ocupação na fazenda do político nordestino está expondo situações irregulares no multimilionário patrimônio desse indivíduo, que, até agora, mantinha uma imagem de honestidade e de empresário moderno. O grande número de famílias instaladas no acampamento é também um um grande fator favorável.
Agora o objetivo é marcar uma audiência em Goiânia com o governador Marconi e o ministro de Reforma Agrária e avançar na negociação. Ainda assim, no acampamento as energias do povo são fortes e claras. “Se a poliícia continuar dando treta, nós vamos passar à ação também”, assegura um Sem Terra.
Por Noa Pámies
Fotografias: Mídia Ninja
http://passapalavra.info/2014/09/99290