Ameçadas de despejo, as 16 famílias do quilombo da Vila Teixeira, no bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, seguem resistindo. Enquanto o despejo foi agendado para o fim deste mês de julho, a luta da Vila Teixeira recebeu apoio da vizinhança e da Associação de Moradores do bairro de Santa Tereza. Seguem dois manifestos assinados pela Associação e por moradores da Vila Teixeira:
A Associação de Moradores do bairro de Santa Tereza, BH/MG, vem a público se manifestar veementemente contra o desalojamento da Vila Teixeira Soares, comunidade tradicional consolidada que está sob ameaça de despejo por uma ordem judicial ilegal. São 16 famílias que estão para serem despejadas no próximo dia 25 de julho, sem qualquer indenização ou reassentamento.A ameaça do despejo impulsionou as famílias a resgatarem sua memória, construir sua linha do tempo e se reconhecer como quilombo urbano por meio de assembleia de auto declaração realizada no último dia 30 de junho, que contou com a participação da nossa Associação, parlamentares, Ministério Público, etc.
O risco do despejo também fez lideranças da Vila retornarem à terra de origem da matriarca e do patriarca fundadores da comunidade para comprovar e obter certidão oficial de batismo do patriarca Petronillo registrado no “livro de batismo dos escravos”. Esse e muitos outros documentos oficiais foram encaminhados à Fundação Palmares para fins de reconhecimento do território como remanescente quilombola passível de proteção, nos termos do Decreto Nº 4.887/2003 e da Portaria FCP Nº 98/2007.Parte considerável da área é território ancestral negro autodeclarado e que batalha pelo seu reconhecimento como comunidade remanescente quilombola, situada em Santa Tereza, patrimônio histórico da cidade. A Vila se forma no início do século XX, pela matriarca negra Elisa, nascida sob a Lei do Ventre Livre, casada com Petronillo, que foi pessoa escravizada até a promulgação da Lei Áurea em 1888. Ambos se casaram e migraram do interior do estado de Minas Gerais, cidade de Além Paraíba, para Belo Horizonte, em busca de melhores condições de sobrevivência. Instalaram-se no bairro de Santa Tereza antes de 1915, ano em que nasceu um dos filhos do casal registrado em cartório já na capital. O patriarca Petronillo chegou a trabalhar na construção da Igreja de Boa Viagem, Santa padroeira da cidade. O terreno em que construíram sua morada fazia parte da Ex-Colônia Américo Werneck e foi adquirido em 1923, conforme contrato de compra e venda que foi levado à registro. As famílias ameaçadas de despejo pagam IPTU ao município desde o ano de 1955!Frente a todo esse histórico, a Associação como representante dos moradores considera arbitrária a remoção desta comunidade centenária, a qual testemunhou e participou das construção das primeiras décadas da capital mineira, enquanto luta pelo reconhecimento como comunidade remanescente quilombola. Isso num processo no qual as famílias atuais sequer puderam se defender, pois não fizeram parte da ação. Importante atentar que a ação demarcatória na qual foi determinado o desalojamento da Vila foi ajuizada somente em 1970, contra vários réus incluindo o Clube Oásis, ou seja, mesmo se o título de compra e venda do imóvel fosse irregular, muito tempo antes do ajuizamento da referida ação demarcatória já estava configurado em favor das famílias da Vila Teixeira Soares o direito à usucapião.A área a ser desalojada na fração onde se encontra a Vila Teixeira Soares também não foi devidamente demarcada por perícia. Em função disso e outros argumentos, a Defensoria Pública de Direitos Humanos protocolou pedido de suspensão da ordem de despejo ilegítima e que não foi nem conhecida pelo juiz de direito Dr. Fernando Lamego Sleumer no âmbito do Processo nº 0024.83.104.755-0 (comarca de Belo Horizonte). A mesma Defensoria também entrou perante à Prefeitura Municipal com o requerimento previsto na Lei nº. 13.465/2017, denominado REURB – S, com a finalidade de garantir o direito das famílias à regularização fundiária plena e à segurança jurídica da posse. O despejo jamais poderia ser cumprido antes de analisado o mencionado pedido administrativo de REURB – S. Apesar de informado disso o juiz dr. Lamego manteve a validade da ordem de retirada forçada das famílias.A Associação está se mobilizando em favor dessa comunidade tradicional que faz parte do Conjunto Urbano de Santa Tereza aprovado no dia 04 de março de 2015 pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte fixando diretrizes e parâmetros urbanísticos fundamentais à preservação dos modos de vida e da riqueza arquitetônica do bairro de Santa Tereza. Nesse sentido, foi encaminhado parecer técnico requerendo providências à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal e à Diretoria de Patrimônio Cultural, Arquivo Público e Conjunto Moderno da Pampulha – DPAM da Fundação Municipal de Cultura. Aliás, a Diretoria de Patrimônio já se manifestou, em resposta à ofício do Ministério Público Federal, dizendo que:“Ressaltamos que enquanto a DPAM realiza os estudos sobre a pertinência do Registro solicitado, e para que tal investigação seja viável, é de fundamental importância que sejam garantidas as condições materiais e simbólicas de existência e reprodução cultural desta comunidade; compreendendo por isso a sua permanência no imóvel/território e a continuidade de suas práticas culturais”.Nesse cenário, no qual consideramos ilegal a investida do Poder Judiciário, em sintonia com interesses econômicos que recaem sobre o imóvel e não beneficiam nossos moradores, especialmente da Vila Teixeira Soares, estaremos trabalhando junto aos afetados para impedir o despejo desse território tradicional inserido em nosso bairro que é considerado patrimônio imaterial da cidade de Belo Horizonte, dotado de arquitetura, singularidades, manifestações culturais e modos de vida que devem ser preservados.Por fim, diante da iminência do despejo das famílias da Vila Teixeira, cobramos uma atuação incisiva da Prefeitura de Belo Horizonte para impedir sua concretização, bem como convocamos à população da cidade, sensível à esta situação, a difundir esse comunicado público e se engajar em defesa de seus vizinhos desse novo quilombo urbano que busca seu reconhecimento enquanto tal e a conquista definitiva do seu território ancestral.
Associação de Moradores do bairro de Santa Tereza (Belo Horizonte – MG)
Segue abaixo outro Manifesto assinado pelos moradores da Vila Teixeira e outras entidades no último mês de abril.
Manifesto contra o Despejo forçado das famílias da Vila Teixeira: não aceitamos que despejem nossas memórias, nossa ancestralidade, nossa dignidade.
As nossas famílias fazem parte da construção do bairro Santa Tereza, em Belo Horizonte, um patrimônio cultural da cidade. A nossa história na rua Teixeira Soares, construída por nossos antepassados, bem como nossos modos de vida, memória e vínculos com o bairro vêm sendo ameaçados por um processo judicial que se arrasta desde 1970 no Tribunal de Justiça de Minas Gerais envolvendo também o Clube Oásis e ditos “proprietários” que nunca ali estiveram. No dia 14 de Janeiro de 2019 o juiz da causa determinou a execução do despejo, com a notificação da Polícia Militar, ação que afeta mais de 40 pessoas.
Fomos pioneiras na ocupação da área, abertura da rua, instalação da rede de esgoto e pedido de ligação de água, luz e pavimentação. As primeiras a chegarem nesse pedacinho de terra onde se encontrava mato, barrancos, brejo e nenhuma condição de moradia foi Dona Chiquinha que comprou o lote da prefeitura em 1907 e Dona Eliza que construiu sua casa em meados de 1932, mulher negra nascida no período da abolição. Suas herdeiras deram seguimento ao desenvolvimento da vila familiar, construindo moradias para seus filhos, netos e bisnetos. Ali criamos raízes, memória e história no cotidiano do bairro, realizamos festas como o Arraiá da Teixeira e a festa de São Cosme e Damião.
O bairro de Santa Tereza possui uma legislação urbanística que protege o seu modo de vida repleto de significados históricos, simbólicos e afetivos – a Área de Diretrizes Especiais (ADE). O imaginário coletivo desse bairro é fundado em relações sociais de proximidade entre os moradores, mantendo um clima interiorano avesso à lógica de uma cidade verticalizada e impessoal. A Vila Teixeira faz parte desse modo de vida dentro da metrópole que deve ser preservado. No entanto, existem muitos interesses imobiliários que ameaçam os modos de vida estabelecidos, a cada ano crescem mais empreendimentos no nosso entorno.
Estamos sofrendo com a pressão da PM e da especulação imobiliária sobre a comunidade, mesmo mantendo nossos deveres com o Poder Público em dia, como o pagamento de IPTU desde o ano de 1955. Não somos “invasores” e sim moradores que construíram a história da rua Teixeira Soares, do bairro Santa Tereza e da cidade de Belo Horizonte.
Importante afirmar não participamos até o momento de um processo de mediação de conflitos para encontrar uma alternativa justa e ética para o conflito. A Mesa de Negociação e Diálogo para conflitos fundiários do Estado de Minas Gerais não está funcionando o que dificulta o estabelecimento de uma negociação que preserve os direitos das famílias envolvidas.
Possuímos o direito à regularização fundiária previsto na Constituição Federal, no Estatuto das Cidades e na Lei Federal 13.645 – Regularização Fundiária de Interesse Social (Reurb-S). A Prefeitura de Belo Horizonte deve se responsabilizar pela aplicação de instrumentos de política urbana que garantam a permanência de nossa comunidade e integridade da Área de Diretrizes Especiais (ADE) do bairro.
Esse manifesto é aberto a apoios para que os moradores da Vila Teixeira sejam ouvidos e seus direitos garantidos. Vila Teixeira Resiste!
Belo Horizonte, Santa Tereza, 18 de abril de 2019Assinam esse manifesto:
Moradores da Vila Teixeira
Associação do Bairro Santa Tereza
Brigadas Populares – Minas Gerais
Muitas – Pela Cidade que Queremos