Lisboa precisa de espaços autónomos

A gentrificação e a especulação imobiliária, levando ao aumento das rendas, constituem uma das principais ameaças a projectos emancipatórios que constroem alternativas ao capitalismo. A cidade de Lisboa é vítima destes processos, preenchendo-se cada vez mais com escritórios, bancos, sedes de grandes empresas e condomínios privados. Nos antípodas da cidade estéril e corporativa que os especuladores promovem encontram-se os espaços autónomos. Recentemente, Lisboa foi privada de vários espaços autónomos, tais como o Grémio Lisbonense, a Crew Hassan ou o Centro Social do GAIA na Mouraria. O despejo ou encerramento destes espaços constituem um ataque não só a quem desenvolve projectos nestes espaços, mas a também a todo o movimento social e cultural da cidade.

As geografias autónomas podem ser definidas como “espaços onde há um desejo de constituir uma forma de política, identidade e cidadania não-capitalista e colectiva, que se desenvolve a partir de uma combinação da resistência e criação e do questionamento e desafio das leis e normas sociais dominantes” (http://www.autonomousgeographies.org).

Estes espaços, fora da lógica especulativa do mercado, permitem e incentivam o confronto de ideias e a criação livre. São espaços onde os sonhos de cada um podem ser trabalhados, articulados e experimentados, sem o peso da burocracia e as limitações criadas pelo sistema monetário aos estratos sociais menos privilegiados.

A Câmara Municipal de Lisboa pouco ou nada tem feito para promover o uso de edifícios devolutos, os quais poderiam dinamizar a cidade quando transformados em espaços emancipatórios auto-geridos. Pelo contrário, tem apoiado a lógica da especulação imobiliária, como no caso do Grémio Lisbonense, onde foi complacente com as manipulações legais do proprietário para desalojar uma associação centenária com vista a instalar um hotel de luxo. Com Santana Lopes, construiu um parque de estacionamento para desalojar a Kasa Enkantada e com Carmona Rodrigues desalojou a okupa da rua do Passadiço.

Contudo, experiências recentes como a Severa, o Regueirão dos Anjos ou a Terra de Ninguém, bem como a tentativa de encontrar um novo espaço para o Centro Social do GAIA, constituem exemplos de como, apesar das dificuldades, a mercadoria não consegue invadir todas as esferas da vida. Mesmo no seio da sociedade capitalista, é possível construir espaços onde os seus princípios são substituídos pela solidariedade, cooperação e horizontalidade entre pessoas.

Um pouco por todo o mundo, multiplicam-se as lutas em defesa dos espaços autónomos. Alguns casos incluem os centros sociais okupados Køpi 137 em Berlim, ou o Can Masdeu em Barcelona, muitas das quais atingem dimensões transnacionais, num contexto global de luta contra a precariedade e contra a opressão dos movimentos sociais.

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