Entre os dias 9 e 11 de maio, ocorreu uma jornada de mobilização no território indígena Rio dos Índios do povo Kaingang, perto de Vicente Dutra, no Rio Grande do Sul. Nesta ocasião, os indígenas plantaram quatro mil mudas de araucária em uma área que foi retomada de uma fazenda desde 2016. A araucária é uma árvore da região, atualmente quase desaparecida, e uma das bases da alimentação tradicional do povo Kaingang.
O plantio das mudas de araucária foi feito numa área de 24 hectares, retomada em 2016 de uma fazenda que incide parcialmente sobre a Terra Indígena Rio dos Índios.
“A fazenda que estamos ocupando não é de pequeno agricultor, é de uma pessoa de alto padrão que criava gado aqui. Nós estamos fazendo o justo, porque ele não mora em cima da área”, explica o cacique Luís Salvador.
Para o cacique, é importante salientar a diferença do fazendeiro para os pequenos agricultores que receberam títulos do estado e vivem sobre a área.
“Se o Estado colocou eles aqui, ele tem que assumir esse compromisso com os pequenos agricultores, e não colocar eles contra o direito do índio. O governo tem que resolver o problema que ele criou”, sintetiza Saci.
Foi numa audiência com produtores rurais em Vicente Dutra que, em 2013, o deputado Luís Carlos Heinze (PP/RS) falou que “quilombolas, índios, gays e lésbicas” são “tudo o que não presta”. Outro dos ruralistas presentes, o deputado federal Alceu Moreira (PMDB-RS) incitou: “reúnam verdadeiras multidões e expulsem do jeito que for necessário”.
A audiência ocorreu dias depois de uma multidão de 500 pessoas tentar expulsar os indígenas da área ocupada em Rio dos Índios. O balneário Águas do Prado, de propriedade de um político local, incide sobre 200 hectares da terra tradicional Kaingang e é mais um dos componentes da situação conflituosa, acirrada pelas falas ruralistas.
Para Ivan César Cima, missionário do Cimi Regional Sul, os indígenas vão na contramão do discurso de ódio, ao defender também o direito dos pequenos agricultores com títulos de boa-fé a receberem indenização e serem reassentados pelo governo estadual.
“Há uma lei estadual que possibilita ao estado o reassentamento de ocupantes de terras indígenas, uma vez que ele reconheceu ter realizado o assentamento de agricultores sobre territórios destes povos”, explica.
Cacique Luís Salvador faz fala, no primeiro dia de mobilização na Terra Indígena Rio dos Índios. Foto: Ivan César Cima/Cimi Regional Sul
Durante a semana de mobilização, entre os dias 9 e 11 de maio, os indígenas fizeram uma manifestação na rodovia RS-150, que dá acesso a Vicente Dutra, e também recolocaram as placas que identificam o território Kaingang, já que as oficiais foram destruídas em represália aos indígenas.
“Num contexto de intensos ataques ao direitos originários desses povos, a mobilização reafirma a resistência, a articulação e a disposição do movimento indígena em seguir lutando pela demarcação”, avalia Ivan. “Também é um sinal aos que se utilizam do arrendamento de terras, passando a mensagem de que, para o movimento indígena, o território é um espaço coletivo para o fortalecimento da cultura e para a produção de alimentos a partir da ótica de cada povo”.
Confira a carta divulgada pelos indígenas:
“Terra Indígena Rio dos Índios, 09 de maio de 2018.
Ao: Ministério da Justiça e Funai
Governo do Estado do Rio Grande do Sul
Neste dia 09 de maio iniciamos uma grande mobilização em nossa terra indígena e temos o apoio do movimento indígena da região. Além dos guerreiros da Terra Indígena Rio dos Índios, contamos com a presença das Terras Indígenas Irai, Kandóia, Serrinha, Rio da Várzea, Guarita e Goe Veso. São mais de 500 guerreiros lutando por nosso direito a demarcação da terra tradicional.
Nossa luta já vem já dura algumas décadas, são mais de 30 anos que a Funai deu início aos estudos para o reconhecimento de nosso território tradicional e, em 2004, através de publicação da portaria declaratória, por parte do Ministério da Justiça, o governo federal reconhece o espaço como nosso território. São identificados e declarados 715 hectares.
Acontece que depois da publicação da portaria declaratória, o processo de demarcação esta praticamente paralisado. Mesmo assim continuamos lutando e resistindo, confinados em apenas dois hectares de terra. Nesse pequeno espaço são 46 famílias, mais de 315 pessoas.
Diante desse quadro de paralisia e sufocamento dos nossos direitos, exigimos;
Que a Funai de início as indenizações dos ocupantes não índios de boa fé e que estas indenizações sejam concluídas;
Que o estado do Rio Grande do Sul reassente as vinte e duas (22) famílias que desejam ser reassentadas;
Que o estado do Rio Grande do Sul crie, imediatamente, um grupo técnico para realização dos estudos acerca do reassentamento dessas famílias de agricultores;
Que o governo federal, por meio de seus órgão competentes, revogue o parecer 001/2017, da AGU. Este parecer é criminoso, foi encomendado pelos ruralistas e tem como finalidade matar nossos direitos;
Exigimos ainda que seja paralisada, imediatamente, todas as construções de não indígenas dentro de nosso território, especialmente nas dependências do balneário Águas do Prado.
Manifestamos que nossa mobilização é justa, que nossa luta é sagrada, pois lutamos por nosso território tradicional, espaço onde vivem nossos anciões, nossas crianças e onde fortalecemos na nossa cultura. Continuaremos lutando sempre!
Declaramos também nossa preocupação com a devastação dos territórios em demarcação, pois o agronegócio desmata e destrói as terras. Visando recuperar as florestas de parte de nosso território iremos realizar o plantio de 4.000 mudas de araucária. Essa iniciativa faz partes das atividades de nossa mobilização.
Por fim reafirmamos que continuaremos nossa luta, que não aceitamos a tese do marco temporal, pois nossos povos são milenares, existem bem antes de 05 de outubro de 1988. Sempre lutamos e continuaremos lutando pela demarcação de nossos territórios.
Luiz Salvador – Cacique da Terra Indígena Rios dos Índios
Lideranças das Terras Indígenas Irai, Kandóia, Serrinha, Rio da Várzea, Guarita e Goe Veso”
Fonte: CIMI (Conselho Indigenista Missionário).
Para ler a versão completa do artigo no site do CIMI (Conselho Indigenista
Missionário), para ler o artigo na sua integridade.