Curitiba (PR – Brasil): Repressão policial e incêndio criminoso na Ocupação 29 de março

“Eles chegaram correndo e marchando igual exército, todos encapuzados, depois disso, a favela virou cinza”, denunciou um dos moradores da ocupação 29 de Março, que fica no bairro de Vila Corbélia, Cidade Industrial de Curitiba (CIC). Ao todo, aproximadamente duzentas casas se perderam no incêndio, que aconteceu entre o fim da noite de sexta-feira (7/12) e a madrugada deste sábado (8/12).  Em todos os relatos dos moradores, o começo do fogo é atribuído à ação da polícia militar do Paraná.

“Eles queriam vingar a morte do colega de farda deles, mas destruíram a vida de quem não tinha nada a ver com a situação”, desabafou outra das vítimas. Pelo menos duas pessoas foram assassinadas durante o ataque.

O terror foi instaurado depois de o soldado da PM Erick Norio ter sido morto com dois tiros  na madrugada de quinta para sexta-feira, na frente da ocupação. “Durante o tempo que os policiais ficaram, durante o dia, fomos ameaçados e diziam que iriam acabar com a comunidade. Eles bateram em mulheres, idosos e diziam o tempo todo que tínhamos que entregar o suspeito”, disse uma das moradoras.

“De lá para cá os PM começaram a entrar nas ocupações, 29 de Março, Primavera, Dona Cida e até Tiradentes. Eles agrediram e espancaram várias pessoas. Colocaram sacolas na cabeça, deram chutes, cotoveladas… À noite, mandaram o recado que iam velar o camarada deles e depois do velório iam ‘estourar os barracos da comunidade. “, conta o morador J.

Por volta das 22h, as famílias ouviram o que definiram como “batalhão” chegar. Encapuzados, os homens não usavam farda e chegaram primeiro atirando. “Foram muitos tiros, dispararam para o alto, no pé das pessoas e mandaram que entrasse todo mundo para dentro de suas casas”, contou um homem.

Pouco tempo depois, com a situação ainda crítica, veio o fogo. “Começou num sobrado e eles foram ateando fogo em tudo. Nesse momento, um homem que viu a chama começar a tomar conta gritou e foi assassinado pelos policiais”, denunciou. “Ele foi pego, os encapuzados soltaram rojão e o mataram”. O corpo foi recolhido pelo Instituto Médico-Legal (IML).  Além dessa morte, outro assassinato também é apurado. Até o momento, a PM não divulgou nenhuma informação sobre os crimes.

L, que também morava no local do incêndio, diz que seu marido foi um dos que apanharam da polícia, levando muitas coronhadas. Relata que foram para a casa de uma amiga, mas no final da tarde desceu para pegar seu violão, porque canta música gospel. A porta de sua casa tinha sido estourada. Quando saiu do beco onde morava, escutou tiros e foguetes. E deu de cara com uns 10, 15 policiais à paisana, atirando pra cima e pros lados.

“Saí meio tranquila, sem correr pra não acharem que eu tinha alguma coisa, e fui pro Tiradentes (outra comunidade). “Quando viu o fogo quis voltar, mas seu marido não queria deixar, porque já tinha apanhado muito. “Mas a gente reuniu um povo e veio em comboio, chegou aqui na rua”. Ela conta que quando chegou os bombeiros estavam sendo impedidos de trabalhar. “Só quando a imprensa chegou é que deixaram.”

J lembra que já houve outros incêndios nas comunidades e que por isso existe uma estratégia de desmontar os barracos que estão ao lado para que o fogo não se propague. “Até seis casas já chegaram a queimar, mas não passou disso. Só que quando nos mobilizamos para tentar controlar o incêndio, não deixaram a gente fazer nada, queimaram mais de 200 barracos. O presente de Natal são essas famílias sem teto.”

“Eu só consegui salvar roupa e documentos, mais nada. Mas teve gente bem pior que eu, e nenhuma das pessoas atingidas devia alguma coisa”, desabafou uma jovem de 21 anos, que mora com a mãe e o sobrinho. Estima-se que cerca de 500 pessoas tenham sido diretamente afetadas pelo incêndio criminoso. Algumas foram abrigadas por parentes e outras passaram a noite na Escola Municipal Doutor Hamilton Calderari, que próxima dali.

Moradores das ocupações se organizam desde sábado para realizar mutirões de doações para famílias que perderam tudo no incêndio. Igrejas e outras entidades estão recolhendo doações para as famílias.

PONTOS DE COLETA

    • Escola Ensino Fundamental Doutor Hamilton Calderari Leal – R. Victor Grycajuk, 121 – São Miguel.
    • Cras Moradias Corbélia – R. Profa. Cecília Iritani, 510 – Corbélia.
    • Ong Anjos, em frente a praça Alto Bela Vista, R. Carlos Eduardo Martins Mercer, 31 – no Sabará.
    • Igreja Sara Nossa Terra Barigui – Rua Ricardo Emílio Michel, 531, Cidade Industrial.
    • Associação Moradias Sabará 1, Rua Ary Caramão Arruda, 151 – Cidade Industrial.
    • Casarão da União Paranaense de Estudantes (UPE), Rua Presidente Carlos Cavalcanti, 1157 – São Francisco.
    • Sara Nossa Terra, Avenida Presidente kennedy, 2134, Rebouças.
    • Mandarino Advocacia, Av Marechal Floriano Peixoto 228 a/c cj 1503, Edifício Banrisul na esquina das Marechais – Centro.

 

O QUE DOAR:

    • Produtos de higiene em geral
    • Toalhas de banho
    • Lençóis e travesseiros
    • Cobertores
    • Sapatos
    • Roupas
    • Alimentos
    • Utensílios domésticos
    • Lona
    • Materiais de construção em geral – tábua, pregos e telhas e móveis.

 

Este artigo foi inicialmente publicado pela Mídia 1508.