Lisboa (Portugal): Comunicado da Assembleia de Ocupação de Lisboa – AOLX

Nos últimos anos, para além da precariedade laboral em que impera a mão-de-obra barata que nos segrega e atomiza, temos vindo a assistir a uma crescente precarização da habitação no centro da cidade, onde se acrescenta à velha questão «se amanhã teremos trabalho e em que condições» a mais recente novidade «se amanhã teremos casa». Tendo em conta que entre 2013 e 2016 houve um aumento médio das rendas em Lisboa na ordem dos 39% que se traduziu numa renda mensal média de 830€ e que o salário médio líquido em Lisboa ronda os 890€, podemos afirmar que estamos perante uma incomportável taxa de esforço de 93%, bastante acima dos cerca de 30% recomendados.

A brutalidade desta realidade é tão evidente que não só as questões da habitação assumiram um papel de destaque nas campanhas eleitorais de todos os candidatos à Câmara Municipal de Lisboa (CML), como também o Governo se sentiu na obrigação de criar uma Secretaria de Estado da Habitação e delinear a “Nova Geração de Políticas de Habitação”.

Este “enorme” esforço governamental e as suas “políticas-travão” parecem no entanto completamente alheadas da realidade. Peguemos nos já conhecidos programas Renda Convencionada e Porta 65 Jovem como dois exemplos da situação estratosférica em que nos encontramos. A mais recente edição do primeiro disponibiliza apenas 14 fogos numa cidade onde a oferta de arrendamento sofreu uma quebra de 75%; em relação ao segundo, apesar de estarem previstas alterações na idade limite a concurso e um aumento orçamental, até agora para se ser elegível com um T2 ou T3 esta renda não pode ultrapassar os 730€ (tendo em conta a taxa de esforço máxima de 60% estipulada). Esta disparidade leva-nos a considerar que estamos perante uma estratégia de cosmética política e eleitoral, que na sua deficiência transparece não só a conivência dos poderes públicos em gerir o caos instalado ao nível da habitação, mas, sobretudo, uma estratégia governamental cuja intenção passa pela criação de oportunidades de negócio e de rentabilidade para diferentes agentes económicos e pela promoção dos vários sectores do mercado, desde o imobiliário e o turístico às indústrias criativas.

Com a entrada do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) em 2013 e a intensificação da indústria do turismo, tem-se vindo a assistir ao reforço da gestão do privado e das suas propriedades com o aval governamental. Posto isto, não importa se a cidade perdeu 26 mil residentes nos últimos anos mas sim continuar a abrir caminho para os fundos imobiliários e acolher o investimento de capital estrangeiro. Afinal, são estes que reabilitam primeiro e pagam depois, que podem pagar materiais e mão-de-obra com IVA reduzido e que gozam de benefícios fiscais no IRS e no IRC, para além da isenção do IMI, do IMT e de taxas municipais. Ou seja, não importa se um grande número de pessoas não apresenta condições económicas para viver na cidade; o que importa é que a cidade apresente condições para que a grande economia viva nela. Neste cenário de precariedade generalizada em grande parte patrocinada pelo capital e pelas consecutivas políticas governamentais e camarárias, a procura de estratégias colectivas de apropriação comum da cidade e da vida surge como uma resposta possível ao isolamento para que somos empurrados pela dinâmica instalada dos poderes público-privados.

Foi neste sentido que no dia 15 de Setembro ocupámos o camarário nº 69 da Rua Marques da Silva, que tal como muitos outros (3878 em 2016, segundo a CML) se encontrava totalmente devoluto e ao abandono. Com o apoio das mais diversas pessoas, colectivos e associações, obtivemos os meios que nos possibilitaram estancar o processo de deterioração a que o prédio estava sujeito. Apesar de já termos conseguido impedir que o telhado e as janelas estejam vulneráveis à chuva, tenhamos limpo todo o edifício e recuperado uma série de espaços que têm vindo a servir de base a este novo colectivo, pretendemos que o processo de requalificação do prédio continue. Esta recuperação tem em vista a criação de um lugar de uso comum, num gesto que também procura poder responder a situações urgentes de habitação.

Mas porque nos confrontamos com múltiplas questões que não se resumem à habitação e porque as mudanças não poderão emanar apenas de um projecto, interessa-nos a replicação de processos colectivos, autónomos e organizados que possibilitem a construção de outros lugares de experiência comum.

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