No último dia 19/11, um grupo de três policiais à paisana (“P2”), armados, foi identificado na Aldeia Maracanã. Antes de serem visto com as armas, o trio já havia levantado suspeitas, sendo flagrado tirando fotos sem autorização e interrogando de forma ameaçadora um grupo de universitários. A invasão policial ocorreu no penúltimo dia do Coirem 2018 – Congresso de Intercultural de Resistência Maraka’nà, evento dedicado a denunciar a violência de Estado sofrida pelos povos tradicionais no Brasil e no mundo.
O incidente acontece poucas horas depois de o governador eleito, o bolsonarista Wilson Witzel, divulgar em uma rede social sua intensão de “restaurar” o prédio do Antigo Museu do Índio e entregar sua gestão para a iniciativa privada. Em 2013, o mesmo discurso foi utilizado por Sérgio Cabral como pretexto para promover um truculento despejo da comunidade indígena lá existente.
Após serem descobertos, os agentes tentaram fugir em um carro vermelho, de placa LQY 1208, mas foram impedidos pelos indígenas, que cercaram o veículo e bloquearam a saída com uma barricada. Os indígenas exigiam esclarecimentos e uma retratação dos responsáveis pela “operação” – que colocou em risco os idosos e as muitas crianças presentes.
Um dos policiais, que se apresentou como Cabo Rodolfo, disse aos organizadores do congresso que as ordens teriam partido da Tenente Coronel Priscila, comandante do 6ª Batalhão da Polícia Militar (Tijuca). Ainda segundo Rodolfo, os PMs à paisana teriam vindo para “garantir a segurança” de um grupo vindo da Universidade Rural (UFRRJ). A “explicação”, no entanto, foi rapidamente desmentida por uma ligação telefônica feita por um professor da Rural a uma das lideranças indígenas.
De acordo o relato do docente, que tinha vindo com seus alunos prestigiar o Coirem, foram justamente os policiais infiltrados que os fizeram sentir inseguros e sair da Aldeia Maracanã. A informação revoltou os presentes. “Ele [policial] não quer descer para visitar o nosso artesanato, não quer descer para visitar a nossa cultura. Mas ele está aqui dentro, então não é pra deixar sair. Porque é um covarde e um moleque! É pau mandado! Enquanto ele não descer pra visitar e pedir desculpas, ele não sai daqui!” afirmou o indígena Arão da Providência Guajajara.
Os indígenas fizeram uma roda em torno do automóvel e, com a ajuda de seus maracás, começaram a entoar cantos rituais. Quatro viaturas da PM chegaram pela Radial Oeste e um grupo de soldados armados desceu escoltando um negociador da corporação, que estava à paisana.
Após uma tratativa de cerca de 1h, o veículo em que estavam os três infiltrados acabou sendo liberado. Mas primeiro o negociador teve de se retratar e se submeter a uma “homenagem” feita por um grupo de mulheres Guajajara, que cantaram em volta do policial.
Por uma Universidade Indígena
Realizado entre os dias 15 e 20 de novembro, o Coirem 2018, reuniu centenas de pessoas na Aldeia Maracanã, entre indígenas e apoiadores. Representantes das etnias Guajajara, Ashaninka, Korubo, Tembé, Puri, Kariri, Arwak, Pataxó, WaiWai, Guarani, Kaiowa, entre outras, se fizeram presentes no evento. O Congresso contou também com participações internacionais, com lideranças e ativistas vindos de México, Peru e Colômbia.
Segundo os organizadores, o encontro teve como objetivo “promover a articulação dos povos tradicionais em torno da luta pela autodemarcação do saber e do território”. Eles reivindicam o reconhecimento pelo Estado brasileiro da Aldeia Maracanã como uma universidade indígena autônoma, isto é, gerida pelos próprios indígenas, sem a interferência de governos ou empresas.
Publicado na página Midia1508.