Com a vitória do candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro para presidência, os tempos anunciam um crescimento da repressão e violência contra sem-terra, indígenas, ocupações e contra todos os territórios e espaços conquistados através das lutas sociais. De fato, o ex-capitão do exército sempre demonstrou sua proximidade com os latifundiários da bancada ruralista e lobbies do agronegócio, se colocando como representante e porta-voz de seus interesses.
Neste sentido, seu programa na presidência prevê acentuar a guerra contra as populações indígenas, os sem-terra e quilombolas com o intuito de conquistar novos territórios a serem entregues aos interesses do latifúndio e de grandes empresas que visam explorar os recursos naturais locais. Vale lembrar que esta política de expansão territorial do capital já vinha sendo reforçada há muitos anos pelo ex-governo do PT (inclusive através do chamado PAC – “Plano de Aceleração do Crescimento” ou das UPP’s no contexto urbano). No entanto, o novo presidente eleito projeta intensificar e militarizar, ainda mais, essa expansão. Para tal, ele já anunciou querer facilitar o armamento dos fazendeiros e latifundiários contra indígenas, qualificar juridicamente os movimentos de sem-terra e outros movimentos sociais como organizações terroristas, interromper os processos de demarcação de terras indígenas etc.
De uma forma mais geral, assim como ele afirmou logo após o Primeiro Turno das eleições, ele prometeu a seus eleitores de “acabar com todo ativismo no Brasil”. Tal promessa adquire um peso significativo quando sabemos que o Brasil atingiu recentemente o triste recorde mundial do número de ativistas assassinados a cada ano – 57 em 2017 – sendo na maior parte do tempo sem-terras, indígenas ou moradores de favelas. Em muitos destes casos, e quando existe uma investigação aprofundada, a responsabilidade da polícia ou de outros representantes do Estado nestes crimes é comprovada. Alguns anos atrás, Jair Bolsonaro já tinha afirmado publicamente que a Ditadura militar brasileira – cujo principal objetivo declarado era a erradicação do “comunismo” e da “subversão”, devia ter matado muito mais, assim como as Ditaduras chilenas e argentinas fizeram.
O projeto governamental autoritário e ultra-repressivo de Bolsonaro parece, portanto, surgir para satisfazer os anseios de boa parte das elites do país, prometendo uma resposta violenta e direta contra os movimentos sociais e as múltiplas dinâmicas de resistência e ocupação do território que ganharam força por todo país nos últimos anos: retomadas de terras por populações indígenas, ocupações de grandes propriedades improdutivas por sem-terras, ocupações urbanas de terrenos ou prédios pelo movimento sem-teto (algumas destas ações foram relatadas em squat.net, aqui, aqui ou ali).
Desde os primeiros dias que seguiram a vitória do Bolsonaro, no ínicio do mês de outubro – ainda antes da sua tomada efetiva de poder que ocorrerá em 1º de janeiro de 2019 – os ataques e tentativas de remoções contra terras ocupadas e aldeias já se intensificaram. Relatamos aqui algumas dentre elas:
– Na madrugada do sábado 27 para o domingo 28 de outubro, dia do segundo turno das eleições, a aldeia Jaguapiru-Bororó situada em Dourados, Mato Grosso do Sul, sofreu ataque de um grupo paramilitar – composto por cerca de 30 homens armados – que atiraram balas de borracha e bala de gude contra indígenas da aldeia. 15 indígenas ficaram feridos e 35 barracos do acampamento foram destruídos.
– Na mesma madrugada, ainda no Mato Grosso do Sul, homens em uma caminhonete atacaram o acampamento de sem-terra Sebastião Bilhar, em Dois Irmãos do Buriti. Eles chegaram a incendiar um barraco, aos gritos de “Bolsonaro”, antes de deixar o local.
– Na madrugada de domingo 28 de outubro para a segunda-feira, foram incendiados uma escola e um posto de saúde da família dentro da área do povo Pankararu, perto da cidade de Jatobá, em Pernambuco.
– Na mesma madrugada, houve relatos de tiros e intimidações em limites de territórios indígenas em diversas aldeias, nas terras indígenas do Caarapó (Dourados) e do povo Terena (Miranda), ambas no Mato Grosso do Sul, ou ainda na terra indígena do povo Tuxá, em Rodelas (BA).
– Na segunda-feira, dia 29 de outubro, os ataques chegaram mesmo a atravessar a fronteira brasileira. Segundo denúncias de moradores da comunidade Ava-Guarani Takuarai, no municipio de Kanindeju, na fronteira entre Brasil e Paraguai, pistoleiros de um latifundiário brasileiro atacaram a aldeia disparando tiros contra os indígenas.
– Na noite da terça-feira, dia 30, foi desta vez o acampamento sem-terra Comuna Irmã Dorothy localizado em Tamboril, no Ceará, que sofreu um incêndio criminoso. De acordo com os acampados quatro homens se aproximaram, atearam fogo próximo aos barracos e saíram aos gritos em suas motocicletas.
– No dia 06 de novembro, em Guairá (PR), o indígena Ava-Guarani Donecilo Agueiro, de 21 anos, sofreu atentado a tiros após sair de reunião da Coordenação Técnica Regional da Fundação Nacional do Índio (Funai), que tratava dos processos de licenciamento de duas linhas de transmissão que passam em Guaíra, com estudos ambientais iniciados. Ele ficou paraplégico em consequência dos ferimentos.
– No mesmo dia, o líder indígena Reinaldo Silva Pataxó, da tribo Pataxó HãHãHãe, foi assassinado com quatro tiros, em sua casa, na aldeia Catarina Caramuru Paraguassu, em Pau Brasil (BA). De acordo com funcionários da FUNAI e moradores do local, Reinaldo estava sendo ameaçado por fazendeiros locais. No período eleitoral, conta um morador da região, os fazendeiros e posseiros diziam que, quando Bolsonaro ganhasse, eles iriam retomar as terras dos indígenas “por bem ou por mal”.
– No dia 07 de novembro, os moradores do Quilombo dos Lemos, situado em Porto Alegre, foram surpreendidos nas primeiras horas da manhã pelo batalhão de choque da Brigada Militar ameaçando retirar a força as cerca de 60 pessoas que vivem no local. Os moradores resistiram e conseguiram suspender a ação devido a irregularidade do processo, mas continuam sob ameaça de outra operação similar.
– No dia 08 de novembro, as 250 famílias do Acampamento de sem-terra Dandara, no Distrito Federal, foram acordadas por um conjunto de policiais, cavalaria, tratores e escavadeiras e foram violentamente despejados do local. O acampamento foi inteiramente destruído. Ocupantes presentes contam que, enquanto destruíam o acampamento, os policiais que comandavam a operação diziam: “Agora que o Bolsonaro ganhou, é assim que vai acontecer daqui pra frente. Fiquem quietinhos. Não ousem mais entrar na terra dos outros”.
– Na terça feira dia 13 de novembro, a Aeronáutica, a Polícia Militar e a Guarda Municipal despejaram 6 famílias da Comunidade Maracajás, na Ilha do Governador, na zona norte do Rio de Janeiro. Foi a primeira remoção realizada pelas forças armadas desde o período pré-olimpíadas durante o qual houve uma série de remoções na cidade.
– No dia 16 de novembro, uma aldeia foi atacada por policiais na Terra indígena Jurubaxi-Téa, em Santa Isabel do Rio Negro no Amazonas. A ação ocorreu depois de um barco da empresa de pesca turística Amazon Sport Fishing ter entrado sem autorização dentro da Terra Indígena, transportando empresários e turistas escoltados por policiais armados. Em seguida, indígenas do povo Baré cercaram o barco para impedir a entrada. Em retaliação, alguns dos policiais foram até a aldeia armados de metralhadoras e dispararam tiros em direção da escola. Enquanto moradores da aldeia tentavam impedir a ação um deles, Arlindo Nogueira, foi baleado no braço. Ao chegarem no hospital com o ferido, outros moradores da aldeia foram novamente ameaçados por policiais e um deles recebeu voz de prisão.
– No dia 19 de novembro, policiais a paisana se infiltraram na Aldeia Maracanã, no Rio de Janeiro, enquanto acontecia no local o Congresso Intercultural de Resistência Maraka’nà (COIREM). Reunindo diversos povos tradicionais, o encontro tinha por objetivo de fortalecer a articulação e resistência dos povos em luta, inclusive perante a crescente violência do Estado nos últimos anos. Após terem tirado fotos e tentado conseguir algumas informações, os policiais foram descobertos e tentaram fugir dentro de um veículo. Este foi cercado pelos ocupantes que os obrigaram a se identificar e prestar esclarecimentos antes de deixar o local. (A Aldeia Maracanã é uma aldeia urbana organizada em torno de um casarão ocupado por membros de diversos povos indígenas desde 2006. O casarão tinha sido desocupado por uma violenta ação policial em 2014, mas o imóvel e seu entorno foram progressivamente reocupados nos anos seguintes).
– No dia 21 de novembro, 150 famílias sem-terra do acampamento Zé Maria do Tomé, em Limoeiro do Norte, resistiram diante de uma tentativa de despejo pelo Batalhão de Polícia de Choque, da Companhia de Distúrbios Civis e do Comando Tático Rural, ateando fogo em barricadas no meio da estrada para impedir a ação.
-No dia 23 de novembro, cerca de 150 famílias sem-terra foram despejadas do acampamento Antônio Nascimento, em Formosa (GO) pela Polícia Militar de Goiás. Durante o despejo, a acampada Maria Marli sofreu um ataque cardíaco fulminante e faleceu.
– No dia 28 de novembro, cerca de 30 famílias foram despejadas do Acampamento 17 de Abril, localizado no município de Santana do Acaraú, no Ceará. Militantes denunciam que a ação foi liderada por jagunços e policiais militares sem mandado judicial. O acampamento foi inteiramente destruído. No mesmo Estado, no dia 06 de dezembro, 30 famílias do Acampamento Zé Wilson, no município de Lavras da Mangabeira foram também despejadas pela Polícia Militar a mando do proprietário. Na mesma região, o acampamento Vida Nova, em Mauriti também está sob ameaça, tendo recebido ordem de reintegração de posse recente.
– Desde o dia 06 de dezembro, os Guarani Mbya da retomada de terra Ponta do Arado, no Bairro Belém Novo, em Porto Alegre, vivem uma pressão crescente dos empresários que se dizem proprietários de suas terras e seus seguranças privados. Estes construíram uma cerca em volta da terra e estão querendo construir uma casa, dentro do espaço ocupado pelos Guarani, para instalar seguranças e permitir uma vigilância permanente dos indígenas.
– Na noite do dia 07 de dezembro, homens encapuzados iniciaram um incêndio criminoso contra a ocupação 29 de Março, que fica no bairro de Vila Corbélia, Cidade Industrial de Curitiba. Segundo os moradores, tudo indica que foram integrantes da Polícia Militar. O ataque foi aparentemente feito em retaliação à morte de um policial militar assassinado perto da ocupação poucos dias antes. Antes do incêndio, a ocupação já vinha sofrendo diversos ataques da Polícia Militar. Cerca de 200 casas foram destruídas pelo incêndio. Moradores da ocupação e apoiadores estão organizando um chamado para doação.
– No dia 09 de dezembro, duas lideranças do Movimento Sem Terra, Rodrigo Celestino e José Bernardo da Silva (conhecido como Orlando), foram assassinadas a tiros no acampamento sem-terra Dom José Maria Pires, no município de Alhandra, na Paraíba. Ambos eram lideranças do acampamento.
-No dia 19 de dezembro, as 60 famílias da comunidade do povo Tremembé do Engenho, no município de São José de Ribamar (MA) foram despejadas por 150 soldados das policiais militares – Tropa deChoque – com apoio das policiais rodoviárias federal e estadual. Toda comunidade e suas plantações foram destruídas pelos tratores da polícia. Em resposta, os Tremembé declararam que a operação policial e seus tratores “destruíram nossas plantações, mas não nos destruíram”.
-No dia 22 de dezembro, a Base Ituí-Itacoaí, uma das três bases de proteção de índios isolados da Fundação Nacional do Índio (Funai) na Terra Indígena Vale do Javari, localizada no município de Atalaia do Norte, na fronteira do Amazonas com o Peru, foi atacada a tiros. Este Território Indígena concentra o maior número de povo indígenas isolados da região e é muito cobiçado por grupos de pescadores e caçadores do Alto Solimões.
Para além desta lista de ataques a aldeias e terras ocupadas, que é provavelmente incompleta, houveram também – no período eleitoral – diversos ataques a pessoas e agressões praticadas por apoiadores de Bolsonaro por razões políticas. Entre os dois turnos das eleições, foram registradas mais de 130 agressões deste tipo, e pelo menos 3 assassinatos por motivações políticas.
Fontes: Amazônia Real, A Pública, Agência Brasil, Brasil de Fato, CIMI, De Olho Nos Ruralistas, Folha de SP, G1, Mídia 1508, Mídia Ninja, MST, Nova Democracia.